Apensar
do Sistema Único de Saúde – SUS ser no papel um sistema modelo,
que deveria levar o atendimento médico a todos, garantido o
bem-estar da população, sabemos que na prática isso não funciona
assim.
O
atendimento, salvo louváveis exceções, costuma ser muito aquém da
necessidade e da dignidade que os doentes devem ter.
Tratamentos
mais especializados ou mesmo simples internações de maior
complexidade são muito difíceis e por vezes impossibilitadas pelas
vias administrativas, o que obriga quem precisa a recorrer ao
Judiciário para solicitar uma condenação do Estado a arcar com o
tratamento ou mesmo a realizar uma internação ou cirurgia
necessária.
Quando
ocorrem as internações, normalmente são em quartos coletivos ou
mesmo enfermarias, bem como o doente deve ser tratados pelos médicos
que atendem pelo SUS no hospital da internação, sem direito de
escolha.
Tendo
em vista esse fato, a resolução nº 283 do antigo INAMPS previu a
possibilidade de “diferença de classe”.
A
diferença de classe ocorre quando o interessado, normalmente o
familiar ou o próprio doente internado para tratamento pago pelo
SUS, paga em dinheiro uma quantia para obter um tratamento
diferenciado, seja para ter um quarto particular, ou para ser tratado
por médico que normalmente não atende pelo SUS.
Em
resumo funciona assim: a pessoa está internada para tratamento
médico pago pelo SUS, porém ela paga ao hospital um valor para ter
um tratamento melhor, seja em quarto individual, seja por médicos
não cadastrados no Sistema Único de Saúde.
Com
a extinção do INAMPS muitos Tribunais passaram a entender que se a
pessoa quer pagar por um tratamento melhor, ela deve arcar sozinha
com todos os custos do seu tratamento, que não será mais pago pelo
SUS.
Esse
entendimento está correto?
NÃO
O
Supremo Tribunal Federal – STF já decidiu várias vezes que o
tratamento diferenciado pode ocorrer em internações bancadas pelo
SUS, pois o SUS continua pagando a mesma coisa que pagaria pela
internação e a diferença será paga diretamente pelo particular,
como verifica-se dessa decisão:
“ADMINISTRATIVO.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA. DIFERENÇA DE CLASSE.
O
pagamento, por particulares, de valor complementar ao que é
oferecido pelo Poder Público para a internação em regime
ambulatorial, objetivando atendimento diferenciado (‘diferença de
24 classe’), como quarto privativo e atendimento por médicos que,
via de regra, não atendem pacientes que utilizam o SUS, colide com
os princípios constitucionais da igualdade, da integralidade e da
gratuidade de acesso às ações e serviços públicos de saúde,
também contemplados pela Lei nº 8.080/90, que dispõe sobre a
organização e funcionamento dos serviços de atendimento médico e
hospitalar pela Administração Pública.”
2.
Pois bem, a parte recorrente sustenta violação ao art. 196 da Magna
Carta de 1988.
3.
Tenho que a insurgência merece acolhida. É que o entendimento do
Tribunal de origem destoa da jurisprudência desta nossa Corte.
Vejam-se, nesse mesmo sentido, os REs 226.835, da relatoria do
ministro Ilmar Galvão; 228.750, da relatoria do ministro Sepúlveda
Pertence; 496.244, da relatoria do ministro Eros Grau; e 261.268, da
relatoria do ministro Moreira Alves, este com a seguinte ementa:
“Direito
à saúde. ‘Diferença de classe’ sem ônus para o SUS. Resolução
n. 283 do extinto INAMPS. Artigo 196 da Constituição Federal. -
Competência da Justiça Estadual, porque a direção do SUS, sendo
única e descentralizada em cada esfera de governo (art. 198, I, da
Constituição), cabe, no âmbito dos Estados, às respectivas
Secretarias de Saúde ou órgão equivalente.
-
O direito à saúde, como está assegurado no artigo 196 da
Constituição, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades
administrativas no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a
ele. Inexistência, no caso, de ofensa à isonomia. Recurso
extraordinário não conhecido.” Ante o exposto, e frente ao §
1º-A do art. 557 do CPC, dou provimento ao recurso. Publique-se.
Brasília, 31 de maio de 2010. Ministro AYRES BRITTO Relator (RE
611559 / RS - RIO GRANDE DO SUL RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a):
Min. AYRES BRITTO Julgamento: 31/05/2010, grifei).
Assim,
é possível o tratamento diferenciado, ou seja, uma pessoa internada
pelo SUS pode ficar em quarto particular e ter médicos particulares,
desde que pague pela diferença no valor do tratamento.
Leia
também:
Comentários
Postar um comentário