Há
algum tempo, um grande jurista (nome dado às pessoas que estudam o
direito) ensinou como devem nascer as regras de conduta que o Estado
impõe a todos nós (leis, códigos, decretos, constituições, etc).
A
fórmula dele é a seguinte: Fato – Valor – Norma.
Para
ele, deve ocorrer um fato da vida em sociedade que se torna
realmente relevante para grande parte da população, esta relevância
faz com que todos reflitam sobre tal fato e o valorem,
dizendo se ele é bom e deve ser mantido, ou ruim e deve ser evitado.
Quando esse valor se torna a vontade dos cidadãos, surge a norma
(Lei), lei esta que pode dizer que todos devem agir de determinado
jeito, ou que alguma espécie de fato não deve ser praticada.
Esta
teoria ficou conhecida como a Teoria Tridimensional do Direito,
simples, objetiva, óbvia e linda!
O
problema é que “aqui
em baixo (no Brasil)
as coisas são
diferentes”.
Então
os nossos representantes (deputados e senadores, sim eles te
representam e foi você que escolheu colocá-los lá) começaram a
criar umas leis que podemos chamar de “leis de combate”.
Acontecia
o seguinte, sempre que ocorria algo importante (noticiado Jornal
Nacional, Veja, Folha, etc) eles criavam uma lei para regular esse
fato, mas preste atenção, somente ocorreu o fato – norma,
cadê o valor?
Aquela
opinião real da sociedade (não dos comentaristas das emissoras de
TV), não existe, aí criaram-se as leis de combate, as leis das
soluções mágicas, que, por não representarem um valor da
sociedade, não funcionam!
Para
ficar mais clara essa questão vamos a um exemplo: sistema de cotas
para negros (pardos, índios, amarelos, etc).
Ocorreu
um fato, apesar de a maior parte da população brasileira ser
formada por negros e pardos, (para ser mais exato 50,7% da população
segundo dados do IBGE, colhidos no senso de 2010), das pessoas entre
15 a 24 anos que frequentam o nível superior, somente 26,2% se
declararam negros ou pardos, segundo o mesmo senso.
Basta
olhar para esses números para verificarmos o problemão que o Brasil
possui, pois a maioria da sua população não tem o devido acesso ao
nível superior de educação.
Temos
aqui um FATO: a maior parcela da população brasileira (formada por
negros e pardos) não possui o acesso proporcional às universidades.
E
para resolver o problema, nossos representantes (aqueles nos quais
você sequer lembra para o qual votou) resolveram solucionar o
problema como em um passe de mágica: criar cotas (por meio de uma
NORMA, lei) para essa população excluída do ensino superior entrar
na universidade!
Maravilha!
Legislativo eficiente esse nosso! #SQN
Perceberam
que faltou o VALOR? Não se pode pular direto do fato para a norma, a
coisa nunca termina bem, precisamos do valor.
Neste
nosso caso, qual o VALOR, como a sociedade valorou, pensou e entendeu
essa questão dos negros e pardos terem um acesso tão pequeno às
universidades? (preste atenção, estou falando da sociedade, não os
“analistas políticos” das emissoras de TV e repórteres de
Revistas).
Podemos
afirmar que a sociedade valorou a questão da seguinte maneira:
negros e pardos não conseguem atingir a universidade pois são a
maioria dos usuários do ensino público e esse ensino está péssimo,
ou no máximo regular, não dando a estes alunos (negros e pardos)
condições de concorrer com os demais que saem das escolas
particulares e dos cursinhos da vida.
Essa
constatação veio de uma pesquisa realizada com professores (parcela
da sociedade diretamente ligada a educação) pela FundaçãoVictor Civita, o qual constatou que 54% dos professores
consideram ruim, péssima ou regular a educação no brasil.
Logo
se o valor gerado do nosso fato é que os negros e pardos não tem
tanto acesso à universidade por culpa da má qualidade do ensino
público a norma (solução para o problema) deve ser a abertura de
brechas para que estes entrem na universidade sem concorrer com os
demais?
Não!
Isso que fizeram foi “jeitinho brasileiro” para dizer que
o problema sumiu, mas a gente sabe que mesmo depois das cotas, as
quais efetivamente proporcionaram uma quantidade maior de negros e
pardos nas universidades, o ensino público no Brasil, nos níveis
fundamental e médio, em sua maioria, continua de péssima qualidade.
Temos
na verdade uma lei para “inglês ver”, a qual tenta
enganar a população de que o problema sumiu, mas não dá pra
enganar quem vê seus filhos indo todos os dias à escola sem
aprender nada.
Aí
poderíamos nos perguntar, diante desse nosso valor como deveria ser
norma?
Basicamente
a criação de leis (constitucionais e infraconstitucionais) e de
mecanismos de controle, os quais obrigassem o Governo a efetivamente
fornecer uma educação de qualidade nos níveis fundamental e médio,
efetivamente aplicando uma quantidade maior de recursos, pagando
melhor os professores, exigindo que estes se comprometam com seus
alunos e tenham uma formação continuada, em resumo, uma educação
padrão FIFA!
Tudo
isso com a possibilidade, inclusive, de condenar os governantes se
não fornecessem uma educação decente, como por exemplo a
improbidade administrativa.
É
claro que poderiam argumentar que as cotas “resolveram” o
problema de forma rápida, (e em contra partida não obrigou os
governantes a nada, nem sequer a pagar melhor os professores, ou,
sequer, dar professores a todos os alunos).
Esse
é só um pequeno exemplo, diante de tantos outros, para demonstrar
que quando não se segue a Teoria Tridimensional do Direito ficamos
com a ilusão de que respostas foram dadas à sociedade, quando na
verdade essa somente foi enganada mais uma vez.
Enfim,
justificável também que os deputados e senadores não sigam tal
teoria, afinal, alguns são semianalfabetos, o quê não é culpa
deles, é claro, pois a educação no brasil continua ruim, não é?
P.S.:
Sou a favor do sistema de cotas como um grito desesperado por
socorro. Lamento, entretanto, que as cotas não tenham vindo
acompanhadas de uma efetiva reforma na educação que pudesse
inclusive garantir que todos os políticos conhecessem a teoria
criada por Miguel Reale.
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